sábado, 31 de maio de 2014

RIP Farzana Parveen. Assino por baixo cada letra de Lurdes Feio


"Chamava-se Farzana Parveen, tinha 25 anos, estava grávida de três meses, e foi ontem apedrejada até à morte pelo próprio pai e pelos irmãos, numa rua da cidade de Lahore, no Paquistão, sem que o marido conseguisse salvá-la. Motivo: rejeitara um "casamento arranjado" pela família para casar com o homem que amava. A desobediência custou-lhe a vida. As imagens do corpo massacrado de Farzana, rodeado por uma pequena multidão de orgulhosos machos que assim "lavaram a honra da família", correram mundo e feriram que nem punhais o meu coração de mulher. Farzana foi apenas uma entre muitas centenas de paquistanesas apedrejadas até à morte pelos chamados "crimes de honra", à luz de leis que, no Paquistão e em muitos outros países, desprezam a mulher, e a torturam e assassinam invocando hipocritamente o nome de Deus. Monstruosa mentira. Nenhum Deus, seja ele cristão, islâmico ou de outra qualquer religião, pode ditar que um ser humano seja desprovido da sua dignidade, da vontade própria, do direito de amar e até de viver, só porque nasceu mulher. Nenhum Deus pode em boa verdade dar aos homens o direito absoluto de propriedade, para poderem livremente espancar, apedrejar ou dispor da vida de filhas, irmãs ou outras parentes em função do seu sexo, seja a que pretexto for. Nestes momentos, em que penso no martírio das Farzanas deste mundo, ou em que recordo as três centenas de meninas raptadas no Norte de África por radicais islâmicos, sob a ameaça de as venderem como escravas ou casá-las à força, como castigo por terem frequentado a escola, sinto uma enorme dificuldade em manter-me tolerante e defensora da liberdade religiosa. Não porque eu ache que o meu Deus é mais certo do que o Deus dos outros, ou que o meu Deus é o único verdadeiro Deus. Ou porque eu considere o Deus do Islão um deus malévolo. Fico intolerante, simplesmente, porque há quem pratique em nome da religião cultos que só podem ser de índole e inspiração satânica, embora invocando o nome de Deus. E esses não me podem merecer qualquer tolerância ou respeito. Ser mulher em grande parte do mundo islâmico ainda é uma espécie de cruz que se carrega pela vida fora. É viver na obscuridade de um véu ou de uma burka, passar de mão em mão masculina, desde que se nasce até que se morre, esconder-se em cada canto ou esquina para passar despercebida, fugir pelas ruas às vergastadas do chicote ou bastão dos defensores da apregoada moralidade e bons costumes, da lei da sharia, que mais não representa do que uma forma de escravatura, da mais abjecta, selvagem e cruel. Neste momento, o meu coração de mulher sangra por Farzana e por todas as irmãs de infortúnio, que sofrem às mãos de déspotas criminosos, que justificam os seus actos com a defesa de uma honra que, no fundo, desconhecem por completo o que seja."

LURDES FEIO

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